A disponibilidade de terra arável e para pecuária deverá diminuir
globalmente nas próximas décadas, ao mesmo tempo em que será preciso aumentar a
produção de alimentos para atender ao crescimento da demanda mundial e melhorar
a conservação e a sustentabilidade dos recursos não renováveis, que são
essenciais para atingir esse objetivo.
Um grupo de pesquisadores de diferentes países, incluindo do Brasil,
iniciará uma série de estudos colaborativos com o objetivo de aumentar a
compreensão e gerar conhecimento científico para enfrentar esses três desafios
concomitantes e inter-relacionados em escala mundial.
Nos dias 17 a 19 de dezembro, eles se reuniram em São Paulo, na FAPESP,
para participar do “Belmont Forum International: Call Scoping Workshop on Food
security and land use change”.
Organizado pela FAPESP em parceria com o Centro de Energia Nuclear na
Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) e o Belmont Forum, o
objetivo do evento foi definir áreas prioritárias de pesquisa, relacionadas à
segurança alimentar e mudanças no uso da terra, que poderão integrar a segunda
chamada de propostas do Belmont Forum.
Entidade criada pelas principais agências financiadoras de pesquisa
sobre mudanças ambientais do mundo, o Belmont Forum foi formado em 2009 durante
uma conferência realizada pela National Science Foundation (NSF), dos Estados
Unidos, e o Natural Environment Research Council (Nerc), do Reino Unido, na
cidade norte-americana de Belmont.
O objetivo do fórum, coordenado pelo International Group of Funding
Agencies for Global Change Research (IGFA), é tentar influenciar os rumos da
colaboração internacional em estudos sobre mudanças globais por meio de
chamadas conjuntas de pesquisas.
Como membro do Belmont Forum, a FAPESP foi convidada a formatar uma proposta
de chamada de projetos de pesquisa sobre segurança alimentar e mudanças no uso
da terra que irá submeter para aprovação da entidade em uma reunião em
fevereiro de 2013, na Índia.
Para balizar a proposta, a FAPESP convidou para participar do encontro
em São Paulo pesquisadores que integram alguns dos principais projetos
internacionais sobre segurança alimentar e mudanças no uso da terra para
relatar as ações realizadas nos últimos anos.
Thomas Rosswall, do Research Program on Climate Change, Agriculture and
Food Security da Dinamarca, Margaret Gill e Isabelle Albouy, do The European
Joint Programming Initiative on Agriculture, Food Security and Climate Change,
Andreas Heinimann, do Global Land Project, da Suíça, e John Ingram, do Global
Environmental Change and Food Systems (Gecafs), do Reino Unido, foram alguns
dos pesquisadores convidados.
“O objetivo foi conhecer as ações realizadas por essas iniciativas
internacionais para que a proposta que submeteremos ao Belmont Forum não seja
repetitiva ou represente uma duplicação de esforços de pesquisa já existentes
no mundo”, disse Reynaldo Luiz Victoria, coordenador do Programa FAPESP de
Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e representante da Fundação
no Belmont Forum.
“A ideia é que os estudos realizados no âmbito da chamada possibilitem
explorar novos temas de pesquisa relacionados à segurança alimentar e mudanças
no uso da terra que ainda não são abordados por outros programas de pesquisa
internacionais”, disse Victoria à Agência FAPESP.
Durante o encontro, cientistas de países signatários do Belmont Forum
apresentaram iniciativas e prioridades de pesquisa relacionadas à segurança
alimentar e mudanças no uso da terra implementadas em seus respectivos países.
Entre eles marcaram presença Samuel Scheiner, da NSF, Ryohei Kada, do Instituto
de Pesquisa para Humanidades e Natureza, do Japão, e Sheryl Hendricks, da
Universidade de Pretória, África do Sul.
Do lado do Brasil, André Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e
Negociações Internacionais (Icone), Carlos Joly, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), e Gilberto Câmara, do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), apresentaram resultados de pesquisas sobre, respectivamente,
biocombustíveis, biodiversidade e monitoramento de mudanças no uso da terra
realizadas no âmbito dos programas BIOTA, BIOEN e PFPMCG da FAPESP, de cujas
coordenações fazem parte.
Câmara falou sobre os desafios para as políticas de uso da terra no
Brasil que, segundo ele, representam o maior experimento de mudanças no uso da
terra e seus efeitos realizado no mundo nas últimas décadas.
“Desde 1980, foram desmatados 720 mil km² da Amazônia e 400 mil km² do
Cerrado. Isso representa uma transição de uso da terra que não aconteceu nessa
magnitude, nesse intervalo de tempo e nessa época em nenhum outro país do mundo
e é um marco significativo do que acontece hoje no planeta”, avaliou.
Segundo Câmara, parte da transição do uso da terra na Amazônia e no
Cerrado para cultivo de soja e pastagem de gado está relacionada ao aumento da
demanda interna por alimento. Mas outra parte significativa – principalmente no
Cerrado – foi devida ao aumento das exportações de carne e grãos para atender
ao crescimento da demanda mundial por alimentos.
Lições do Brasil – Nos anos de 1980, de acordo com Câmara, a mudança de uso da terra no
Brasil ocorreu de forma desordenada e sem nenhuma espécie de controle. Mais
recentemente, com o amplo acesso às informações sobre desmatamento
disponibilizadas na internet por instituições de pesquisa como o Inpe e
pressões internacionais e da sociedade brasileira, foi possível implementar uma
política de desmatamento da Amazônia que obteve muito êxito ao ser baseada na
tríade composta por transparência, governança e instituições de pesquisa com
boa reputação.
“Alguns aprendizados que o Brasil teve com a criação de instituições de
pesquisa capazes de produzir informações sobre desmatamento – disponibilizadas
de forma transparente e acessível na internet, que resultaram em mecanismo de
governança que tem funcionado muito bem – podem servir de lição para outros
países que também pretendem conseguir implementar uma política de uso da terra
ampla. O Brasil precisa liderar o mundo nessa capacidade de ter um sistema de
informação de uso da terra”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, um dos gargalos no sistema de monitoramento
do desmatamento na Amazônia é produzir informação com maior nível de detalhe.
Atualmente, os sensores dos satélites utilizados no Sistema de Detecção
de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) no Inpe têm resolução espacial moderada,
de 250 metros, o que impossibilita detectar desmatamentos e mudanças no uso da
terra em áreas menores do que 25 hectares. “Precisamos de informação com maior
detalhe”, afirmou Câmara.
Mas, segundo ele, as maiores lacunas no sistema de monitoramento de
mudanças de uso da terra no Brasil se referem a biomas como o Cerrado, a
Caatinga, a Mata Atlântica, o Pampa e o Pantanal, os quais ainda não dispõem de
um sistema de informação sobre desmatamento similar ao existente para a
Amazônia.
“O Brasil precisa ter em todo o seu território o mesmo nível de
informação diária sobre mudanças no uso da terra que possui hoje para a
Amazônia. Isso é essencial para um país que tem esse tamanho de área, que quer
balancear a produção agrícola e de biocombustíveis com o equilíbrio ambiental”,
destacou Câmara.
Questões Fundamentais – O equilíbrio entre uso da terra e mitigação dos
impactos ambientais causados pela atividade agropecuária foi apontado pelos
pesquisadores participantes do workshop na FAPESP como um dos principais
desafios para os próximos anos.
De modo a contribuir na busca de soluções para o problema, as propostas
de pesquisa que serão apoiadas na segunda chamada do Belmont Forum deverão
tentar responder, entre outras questões fundamentais, como os atuais padrões de
demanda por alimentos afetam o uso da terra, a biodiversidade e a segurança
alimentar.
Outra pergunta é quais serão as consequências das mudanças no uso da
terra sobre os serviços dos ecossistemas e da biodiversidade e como irão afetar
a disponibilidade e o acesso aos alimentos.
“Seguramente, a competição entre serviços de ecossistemas e a produção
de alimentos é um tema que deverá ser abordado e discutido nas pesquisas que
serão financiadas nessa chamada de projetos”, disse Victoria.
Para definir quais os temas de pesquisa inter e transdisciplinares
relacionados à segurança alimentar e mudanças no uso da terra que devem ser
contemplados nas pesquisas colaborativas financiadas pelo Belmont Forum, os
participantes do evento foram divididos em quatro grupos de trabalho.
Ao final do encontro, eles produziram um rascunho de um documento que
sintetiza as discussões científicas estabelecidas durante os três dias do
evento e apresenta uma proposta de chamada que será submetida para aprovação no
Belmont Forum. A proposta deverá ter a participação de, no mínimo, três países
signatários do grupo.
“No âmbito da chamada, será possível realizar projetos conjuntos de
países em que três ou mais países se propõem a responder uma ou mais questões
que serão colocadas. Será possível realizar estudos comparativos sobre
segurança alimentar no Brasil, África do Sul e Ásia, por exemplo”, disse
Victoria.
Participaram do encontro na FAPESP representantes de seis países
signatários do Belmont Forum: Brasil, Estados Unidos, Canadá, Japão, África do
Sul e Inglaterra. Outros seis países integram o grupo, além de diversos mais
interessados em participar da chamada. “Estamos tentando construir a maior
aliança possível de países para otimizar a utilização dos recursos que serão
aplicados na chamada”, disse Victoria.
Chamada em 2013 – A primeira chamada de propostas do Belmont Forum foi lançada em abril
de 2012 e contou com recursos de cerca de 20 milhões de euros, dos quais 2,5
milhões foram investidos pela FAPESP, sendo 1,5 milhão de euros para projetos
de pesquisa sobre segurança hídrica e 1 milhão de euros para pesquisas sobre
vulnerabilidade costeira.
Os projetos serão executados por pesquisadores do Estado de São Paulo
nessas áreas em parceria com pesquisadores de, pelos menos, outros dois países
participantes do fórum.
Os valores para a segunda chamada serão definidos em 2013, durante
reunião do Belmont Forum em fevereiro. Pesquisadores ligados a instituições de
ensino superior e de pesquisa, públicas e privadas, no Estado de São Paulo
poderão participar da chamada.
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