Três projetos de lei que alteram as regras de acesso à biodiversidade para a pesquisa básica, de caráter acadêmico, e para a pesquisa com finalidade comercial tramitam no Congresso Nacional. Anteprojeto com teor semelhante está na Casa Civil da Presidência da República. Mas especialistas ouvidos pela Agência Brasil consideram as regras atuais, descritas na Medida Provisória (MP) 2186-16/2001, um empecilho para a realização de estudos e criação de produtos que tenham origem ou patrimônio genético.
Para Célio Cabral, gerente de Inovação do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a legislação acabou sendo “danosa” para a segurança genética no Brasil. Cabral reclama que a autorização para pesquisar e desenvolver produtos é “complicadíssima”, “demorada”, além de “muito burocrática”.
Segundo ele, isso faz com que empresas estrangeiras, que não respeitam as regras nacionais, consigam patentear produtos criados a partir de substâncias encontradas na flora brasileira. “Se uma indústria internacional vem aqui, pega [ilegalmente] uma substância, sai do Brasil e desenvolve essa pesquisa lá fora, consegue requerer a proteção dentro do seu país.”
Esse é o caso, por exemplo, da copaíba, cujo óleo é extraído de uma árvore existente na Floresta Amazônica e usado para mais de 50 finalidades medicinais e fitoterápicas. Dados apresentados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação mostram que, entre 2000 e 2009, 17 patentes com copaíba foram depositadas pelos Estados Unidos e nenhuma pelo Brasil. No entanto, neste período, pesquisadores brasileiros publicaram 76 artigos científicos sobre a copaíba.
“Nós temos a biodiversidade, mas quem vai produzir o medicamento em cima dos elementos biológicos e genéticos serão os países que têm velocidade de pesquisa e financiamento suficiente para fazer isso”, lamenta o presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges.
Cabral defende uma revisão “urgente” do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), responsável pela liberação das pesquisas. O diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Paulo Sergio Lacerda Beirão, diz que o Cgen funciona como um plenário e “não tem agilidade”, o que agrava os defeitos da legislação. “A lei [MP 2186-16/2001] é confusa e não está muito claro para o pesquisador quais são os procedimentos para pedir autorização para realizar estudos”, ressalta.
As críticas à legislação fizeram com que avançasse no governo a elaboração de uma proposta de lei para substituir a MP. A proposta, discutida entre cinco ministérios, está na Casa Civil e deverá dar segurança jurídica a cientistas e empresas que façam pesquisa básica e pesquisa comercial com patrimônio genético, destaca o secretário interino de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João de Deus Medeiros.
Segundo ele, “o novo marco legal vai facilitar o planejamento das pesquisas”, estabelecendo prazos menores de tramitação para projetos de pesquisadores e de empresas e dando garantias de benefício às populações tradicionais que detenham algum conhecimento associado ao recurso genético em investigação.
João de Deus espera que a proposta seja enviada neste semestre ao Congresso, embora ainda não saiba se será em forma de projeto de lei ou de medida provisória. No Senado, já tramitam os projetos de lei 583/2007, que cria a a Fundação Instituto de Pesquisa da Biodiversidade Brasileira (Biobras), para desenvolver pesquisas de bioprospecção; e 440/2011, que cria a Empresa para Gestão e Licenciamento de Pesquisa no Bioma Brasileiro (Emgebio), para gerir o licenciamento de pesquisas nos biomas brasileiros e controlar patentes.
Além desses projetos, tramita simultaneamente na Câmara e no Senado projeto que cria o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Pela proposta, formulada por 17 instituições ligadas à pesquisa, o acesso a amostras do patrimônio genético e de conhecimento tradicional não precisará de autorização prévia, como ocorre hoje. A exploração comercial, no entanto, dependerá de permissão do Cgen.
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